"DÍVIDA
O endividamento começa antes da chegada à região. Pela lei italiana, os proprietários de terras podem declarar ao governo que necessitam empregar estrangeiros para a colheita. Hoje, poucos italianos aceitam trabalhar na produção agrícola, e o setor não tem alternativa a não ser importar mão-de-obra. Usando contatos com intermediários nos países africanos, fazendeiros enviam aos consulados da Itália nesses locais cartas com os nomes das pessoas que teriam direito ao visto, normalmente dado por apenas três meses. O futuro imigrante, então, pode receber a autorização para viajar e a ilusão de que vai ganhar dinheiro e sair da miséria africana ou do Leste europeu.
O problema, porém, é que os fazendeiros e intermediários cobram entre 1 mil e 2 mil pelo visto de cada trabalhador. Já o Ministério do Interior italiano confirma que o custo para o empregador não passa de 14,62. O marroquino Hamid Benzaied tem em mãos a carta com o visto enviada por um conhecido proprietário de terras da região ao governo. Só não sabe quanto tempo vai levar para pagar essa primeira dívida. Depois de três meses, Benzaied não voltará a seu país e ficará nas mãos do fazendeiro, que o ameaça se não continuar trabalhando.
Não por acaso, os Médicos Sem Fronteiras classificam essas fazendas como 'campos de trabalho forçado'.
A situação fica ainda mais complicada quando esses imigrantes recebem a informação de que, para cada dia de 12 horas de trabalho no campo, vão ganhar 25 . Mas, por semana, trabalharão apenas três dias - ou seja, 300 por mês. Isso é apenas o começo. 'Dos 25 por dia que recebem, precisam dar entre 2 e 3 para que sejam transportados aos campos, e 5 para o alojamento onde vão dormir, além de comida', denuncia Dispina Ivasenco, que trabalha na Associação Omnia, um dos únicos centros sociais para os imigrantes. Quem ficar doente por causa do frio de 5 graus nesta época do ano e não puder trabalhar é obrigado a pagar 20 por dia ao patrão pelos supostos prejuízos que a fazenda teve com sua ausência.
'Termino o dia com apenas 10', explica Abdullah Sheriff, também do Marrocos. 'O que ganhamos não é dinheiro. Ninguém sobrevive com isso aqui', afirma o senegalês Papa, que não sabe exatamente quantos anos tem ou o próprio sobrenome. 'Meu nome é só Papa e acho que tenho entre 30 e 32', diz, rindo e cobrindo o rosto de vergonha.
Quem ousa fugir é perseguido pelos capatazes das fazendas. Há dois anos, a região foi tomada por um escândalo envolvendo a morte de poloneses que trabalhavam no campo. Investigações feitas pela Justiça mostraram que algumas das mulheres encontradas mortas podem ter sido estupradas. Foi a primeira vez que os italianos passaram a tomar conhecimento da real situação desses imigrantes. Os africanos mais cínicos alegam que o caso só foi divulgado e as autoridades tomaram providências porque a Polônia agora faz parte da União Européia.
Nas semanas em que não há colheita, a solução para a maioria é buscar refúgio nos edifícios abandonados da região. O Estado foi levado a um deles, chamado pelos imigrantes de 'fábrica'. Sem luz nem banheiro, o prédio - que foi usado há décadas como um galpão - não tem nenhuma janela. Os imigrantes dormem em barracas montadas com cartolina. Para iluminar o local, eles fazem pequenos fogareiros, usados também para cozinhar. O resultado é um penumbra ainda mais densa por causa da fumaça constante.
'Agora está bem melhor aqui. Colocaram um teto e não chove dentro', afirmou Dispina. Em outro galpão ainda não há teto. Uma colega que também trabalha na associação, Hasna Boumou, constata: 'Eles vivem como indigentes.' Segundo elas, há pessoas vivendo embaixo de pontes e em carros abandonados.
'Parece que somos invisíveis. Não há ninguém que pareça se importar', afirmou Hamid, do Sudão, que vive em um outro galpão abandonado,vizinho da Prefeitura de Rosarno. Enquanto falava e mostrava sua cama, ratos comiam tranqüilamente a poucos metros."
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