"Adam Mohamed e John Kawala decidiram vender suas lojas de artesanato em Acra, capital de Gana, com o objetivo de bancar, com o dinheiro, as propinas necessárias para cruzar as várias fronteiras africanas até a Europa. Em três semanas passaram por Togo, Benin, Níger e Líbia, e cruzaram o Mar Mediterrâneo antes de desembarcar no sul da Itália. Gastaram na viagem 4 mil cada um. Tudo isso para, três meses depois, sobreviverem numa condição parecida à de escravidão em plena Europa. 'Se eu soubesse que viria ao inferno, não teria nem iniciado a viagem', afirma Kawala, de 35 anos.
No sul da Itália, sudaneses, senegaleses, marroquinos, moldavos e ucranianos formam parte de um exército silencioso de imigrantes ilegais que garantem a colheita na região. Estão nos campos de tomate, ingrediente usado nos pratos mais tradicionais da culinária italiana, ou colhendo laranja. A União Européia estima em 500 mil o número de imigrantes ilegais que entram no bloco por ano e calcula que 8 milhões deles estejam trabalhando na informalidade. Esses trabalhadores movimentam um dinheiro que representaria 12% do PIB europeu.
Uma parcela desses imigrantes não vive apenas na ilegalidade, mas em condições de indigência. Sofrem diariamente com os maus-tratos e moram em edifícios abandonados, sem eletricidade ou água, infestados de ratos. Pior: não podem voltar para seu país por causa das dívidas que acumularam com os patrões. Conhecida por sua defesa dos direitos humanos e por criticar as péssimas condições de trabalho na produção da cana-de-açúcar no Brasil ou de têxteis na China, a Europa está sendo obrigada agora a admitir a existência dessas violações em seu próprio território.
O Estado teve acesso a um local na Calábria onde vivem esses novos escravos e a contratos de trabalho que violam a carta de direitos humanos da ONU. É visível o sofrimento de muitos que nem sabem dizer no mapa onde estão e, como nas fazendas nas Américas de dois séculos atrás, ainda tiveram seus nomes alterados. Desta vez, para adotar o mesmo nome incluído nos papéis falsificados que os intermediários prepararam para a imigração. Ninguém sabe ao certo quantos desses imigrantes estão trabalhando nas colheitas no sul da Itália. A ONG Médicos Sem Fronteiras estima que eles podem chegar a 15 mil na Calábria - e outros milhares nas regiões da Sicília, Basilicata e Puglia."
Fonte: Estadão.
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