O XVII Governo Constitucional assumiu o compromisso político de proceder à reforma da Lei de Finanças Locais. Impõem-se por isso algumas considerações a propósito do papel que cabe ao poder local num projecto de desenvolvimento sustentável que se quer de âmbito nacional. É cada vez mais fundamental repensar a relação do poder local com a intervenção fiscal em sede de prossecução de objectivos ambientais por duas razões básicas, pela necessidade de reformar o sistema de financiamento local e de melhorar os fornecimentos ambientais, dos quais uma dimensão relevante tem natureza infra-estadual.
Por um lado, o significativo âmbito de competências colocadas pela lei a cargo dos entes locais impõe que se introduza abertamente este tema na discussão da reforma da Lei de Finanças Locais. Por outro lado, a maior visibilidade que está associada à prossecução de um objectivo ambiental através do recurso a um tributo local, cujo sacrifício financeiro para o contribuinte é percebido de forma mais directa e imediata do que o de um imposto de âmbito nacional, cuja cobrança e aplicação dos recursos obtidos se dilui no orçamento geral do Estado, apresenta a vantagem de tornar o poluidor mais consciente das externalidades a que dá causa, estimulando de forma activa a mudança comportamental, assim como a de proporcionar o empenhamento e a responsabilização dos autarcas pela boa gestão das receitas que os cidadãos lhes confiram e pela resolução dos problemas que integram as suas incumbências. Todavia, será necessário adoptar determinadas cautela, porquanto, tal estratégia financeira pode contribuir para gerar uma maior oposição à medida fiscal em causa pela sua maior visibilidade.
No caso dos impostos ambientais de âmbito nacional, podem ser fundamentalmente circunstâncias políticas e a vontade do legislador a determinar que ocorra uma transferência do montante obtido com a sua cobrança para a entidade local com competência sobre a área onde o mesmo foi cobrado, entregando-se as receitas ao ente territorial mais próximo do grau de autogoverno. Neste domínio, o exemplo brasileiro é muito interessante. O empenhamento das finanças locais na defesa ambiental através do uso de instrumentos tributários poderá, assim, funcionar, em alguns casos, como um método com implicações similares às que emergem da consignação de receitas – a promoção da eficiência e da responsabilização democrática –, mas sem uma das principais desvantagens que são apontadas a esta técnica – a inflexibilidade financeira, ao permitir a coincidência mais rigorosa dos beneficiados com as prestações públicas com os onerados com o financiamento destas e dos causadores dos problemas com os responsáveis pela sua eliminação. O projecto ‘Eco XXI’ (Associação Bandeira Azul da Europa, ABAE) adopta um modelo semelhante ao da bandeira azul (para as zonas balneares) e prevê a atribuição de uma bandeira e um certificado que comprovam a qualidade ambiental dos municípios. Um dos principais objectivos do projecto é contribuir para o aparecimento de mais Agendas 21 Local, um instrumento que se mostra fundamental para o desenvolvimento sustentável. Pretende-se, deste modo, promover uma visão integrada das questões ambientais e criar equipas transversais. Porquanto a compartimentação da abordagem do problema no domínio do ambiente, pela natureza do mesmo, constituirá uma importante causa de falha regulativa. Os municípios terão obrigatoriamente de cumprir quatro indicadores primários: promoção de educação ambiental, aplicação do programa eco-escolas, qualidade da água para consumo humano e valorização de resíduos. Os restantes indicadores privilegiam vários temas, incluindo o funcionamento das instituições, conservação da natureza, ar, água, energia, mobilidade, ruído, turismo e economia, entre outros. No que se refere à valorização dos resíduos, os instrumentos financeiros utilizados pelas finanças locais dinamarquesas e italianas, por exemplo, fornecem um quadro de referência interessante para as autarquias portuguesas no que respeita à concepção de vias de resposta ao problema que ainda estão dentro das competências tributárias reconhecidas a estas entidades pela actual Lei das Finanças Locais.
No âmbito específico da mobilidade, seria interessante enquadrar o debate na discussão actualmente em curso sobre o financiamento de infra-estruturas com as receitas provenientes da tributação automóvel. A reforma da tributação do sector dos transportes particulares no sentido que é apontado pela Comissão passa entre nós por actuar a três níveis. Em primeiro lugar, é importante proceder à reforma da tributação que grava a aquisição automóvel. O que talvez represente a necessidade de intervenção mais urgente no caso português. Em segundo lugar, mostra-se necessário introduzir cada vez mais o princípio do utilizador pagador nas estradas e nos espaços urbanos, nomeadamente ao nível do acesso e do estacionamento. Haverá aqui um espaço de discussão para o uso do instrumento tributário mais ao alcance das autarquias locais, as taxas. E, terceiro, é necessário intervir na tributação energética e internalizar no preço dos combustíveis os custos ambientais e de congestão urbana. Concretamente no caso do Imposto Automóvel, parece ser possível introduzir variáveis de carácter ambiental no cálculo do imposto, tal como a Comissão Europeia vem propondo. Todavia, em Portugal o debate tem sido condicionado pela perda de receitas fiscais que se teme que ocorra no curto prazo caso se opte pela deslocação da carga fiscal automóvel do momento da aquisição para o da utilização do veículo, como aponta a directiva comunitária. Independentemente do perigo que se acabou de referir, parece que a abordagem a seguir tem necessariamente que ser uma abordagem integrada e transversal. No caso português esta dimensão da reforma parece acarretar ainda um outro problema. Talvez não seja apenas uma questão de perda de receitas o que tem adiado a reforma do IA. A incapacidade de estabelecer uma solução consensual entre os sujeitos parece desempenhar também um elemento importante no debate. Existe aqui um problema de perda de poder. A passagem da parte substancial da carga tributária que incide sobre o sector dos transportes do momento da aquisição, como se verifica actualmente em Portugal, para o momento da utilização, implica uma importante redução do imposto sobre a aquisição e um aumento do imposto de circulação. Este imposto é hoje representado entre nós pelo Imposto Municipal sobre Veículos, estabelecido em valores simbólicos e fonte de receita das finanças locais. Pelo que será importante ligar a reforma da tributação automóvel à reforma do sistema de financiamento local. Um outro aspecto que merece referência é a estabilidade do quadro legal. Quando se chegue à conclusão de que, em determinadas situações, deve ser o nível infra-estadual o detentor do poder de criar impostos ecológicos, estando o poder tributário regional e local dependente de uma mediação legislativa, será reforçada a necessidade de um quadro legislativo estável neste domínio, que permaneça ao abrigo das decisões conjunturais da simples maioria política. Pois, ainda que se esteja perante um fim público relativamente ao qual se observa um razoável nível de consenso, trata-se de uma dimensão onde a mudança de rumo político é susceptível de gerar implicações irreversíveis.
Cláudia Dias Soares.
Por um lado, o significativo âmbito de competências colocadas pela lei a cargo dos entes locais impõe que se introduza abertamente este tema na discussão da reforma da Lei de Finanças Locais. Por outro lado, a maior visibilidade que está associada à prossecução de um objectivo ambiental através do recurso a um tributo local, cujo sacrifício financeiro para o contribuinte é percebido de forma mais directa e imediata do que o de um imposto de âmbito nacional, cuja cobrança e aplicação dos recursos obtidos se dilui no orçamento geral do Estado, apresenta a vantagem de tornar o poluidor mais consciente das externalidades a que dá causa, estimulando de forma activa a mudança comportamental, assim como a de proporcionar o empenhamento e a responsabilização dos autarcas pela boa gestão das receitas que os cidadãos lhes confiram e pela resolução dos problemas que integram as suas incumbências. Todavia, será necessário adoptar determinadas cautela, porquanto, tal estratégia financeira pode contribuir para gerar uma maior oposição à medida fiscal em causa pela sua maior visibilidade.
No caso dos impostos ambientais de âmbito nacional, podem ser fundamentalmente circunstâncias políticas e a vontade do legislador a determinar que ocorra uma transferência do montante obtido com a sua cobrança para a entidade local com competência sobre a área onde o mesmo foi cobrado, entregando-se as receitas ao ente territorial mais próximo do grau de autogoverno. Neste domínio, o exemplo brasileiro é muito interessante. O empenhamento das finanças locais na defesa ambiental através do uso de instrumentos tributários poderá, assim, funcionar, em alguns casos, como um método com implicações similares às que emergem da consignação de receitas – a promoção da eficiência e da responsabilização democrática –, mas sem uma das principais desvantagens que são apontadas a esta técnica – a inflexibilidade financeira, ao permitir a coincidência mais rigorosa dos beneficiados com as prestações públicas com os onerados com o financiamento destas e dos causadores dos problemas com os responsáveis pela sua eliminação. O projecto ‘Eco XXI’ (Associação Bandeira Azul da Europa, ABAE) adopta um modelo semelhante ao da bandeira azul (para as zonas balneares) e prevê a atribuição de uma bandeira e um certificado que comprovam a qualidade ambiental dos municípios. Um dos principais objectivos do projecto é contribuir para o aparecimento de mais Agendas 21 Local, um instrumento que se mostra fundamental para o desenvolvimento sustentável. Pretende-se, deste modo, promover uma visão integrada das questões ambientais e criar equipas transversais. Porquanto a compartimentação da abordagem do problema no domínio do ambiente, pela natureza do mesmo, constituirá uma importante causa de falha regulativa. Os municípios terão obrigatoriamente de cumprir quatro indicadores primários: promoção de educação ambiental, aplicação do programa eco-escolas, qualidade da água para consumo humano e valorização de resíduos. Os restantes indicadores privilegiam vários temas, incluindo o funcionamento das instituições, conservação da natureza, ar, água, energia, mobilidade, ruído, turismo e economia, entre outros. No que se refere à valorização dos resíduos, os instrumentos financeiros utilizados pelas finanças locais dinamarquesas e italianas, por exemplo, fornecem um quadro de referência interessante para as autarquias portuguesas no que respeita à concepção de vias de resposta ao problema que ainda estão dentro das competências tributárias reconhecidas a estas entidades pela actual Lei das Finanças Locais.
No âmbito específico da mobilidade, seria interessante enquadrar o debate na discussão actualmente em curso sobre o financiamento de infra-estruturas com as receitas provenientes da tributação automóvel. A reforma da tributação do sector dos transportes particulares no sentido que é apontado pela Comissão passa entre nós por actuar a três níveis. Em primeiro lugar, é importante proceder à reforma da tributação que grava a aquisição automóvel. O que talvez represente a necessidade de intervenção mais urgente no caso português. Em segundo lugar, mostra-se necessário introduzir cada vez mais o princípio do utilizador pagador nas estradas e nos espaços urbanos, nomeadamente ao nível do acesso e do estacionamento. Haverá aqui um espaço de discussão para o uso do instrumento tributário mais ao alcance das autarquias locais, as taxas. E, terceiro, é necessário intervir na tributação energética e internalizar no preço dos combustíveis os custos ambientais e de congestão urbana. Concretamente no caso do Imposto Automóvel, parece ser possível introduzir variáveis de carácter ambiental no cálculo do imposto, tal como a Comissão Europeia vem propondo. Todavia, em Portugal o debate tem sido condicionado pela perda de receitas fiscais que se teme que ocorra no curto prazo caso se opte pela deslocação da carga fiscal automóvel do momento da aquisição para o da utilização do veículo, como aponta a directiva comunitária. Independentemente do perigo que se acabou de referir, parece que a abordagem a seguir tem necessariamente que ser uma abordagem integrada e transversal. No caso português esta dimensão da reforma parece acarretar ainda um outro problema. Talvez não seja apenas uma questão de perda de receitas o que tem adiado a reforma do IA. A incapacidade de estabelecer uma solução consensual entre os sujeitos parece desempenhar também um elemento importante no debate. Existe aqui um problema de perda de poder. A passagem da parte substancial da carga tributária que incide sobre o sector dos transportes do momento da aquisição, como se verifica actualmente em Portugal, para o momento da utilização, implica uma importante redução do imposto sobre a aquisição e um aumento do imposto de circulação. Este imposto é hoje representado entre nós pelo Imposto Municipal sobre Veículos, estabelecido em valores simbólicos e fonte de receita das finanças locais. Pelo que será importante ligar a reforma da tributação automóvel à reforma do sistema de financiamento local. Um outro aspecto que merece referência é a estabilidade do quadro legal. Quando se chegue à conclusão de que, em determinadas situações, deve ser o nível infra-estadual o detentor do poder de criar impostos ecológicos, estando o poder tributário regional e local dependente de uma mediação legislativa, será reforçada a necessidade de um quadro legislativo estável neste domínio, que permaneça ao abrigo das decisões conjunturais da simples maioria política. Pois, ainda que se esteja perante um fim público relativamente ao qual se observa um razoável nível de consenso, trata-se de uma dimensão onde a mudança de rumo político é susceptível de gerar implicações irreversíveis.
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