terça-feira, março 24, 2009

Artigo

Mortes anunciadas
Urge instituir no país tribunais especializados na área agrária
Octavio Mello Alvarenga
Presidente da Sociedade Nacional de Agricultura
A problemática rural tem muito pouco, ou nada, a ver com o pai da psicanálise. Foi, porém, dentro da imensa biografia de Freud escrita por Peter Gay (1988) que encontrei uma página de jornal datada de 4 de dezembro de 2000 que estampava um belo artigo de Cícero Sandroni: “Os 100 anos de A interpretação dos sonhos e a mídia”. Mas é claro que não se referia à problemática agroambiental, espécie de demônio que há tempos me atormenta. Na mesma página, um texto sob o título “Crônica das mortes anunciadas”, falando da problemática agrária no país, referindo-se ao 18º assassinato de um líder dos sem-terra no Paraná. Ocorreu há nove anos. Sebastião de Maia, conhecido como Tiãozinho, foi morto em Querência do Norte, em 21 de novembro de 2000, na gestão do governador Jaime Lerner. Agora que os responsáveis pelos homicídios estão no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), recordemo-nos dos quatro assassinatos praticados em Pernambuco. Na base de todos eles, paranaenses ou pernambucanos, está a morosidade da Justiça.
Escrevendo sobre o assunto, a deputada federal Iriny Lopes observou: “As 100 famílias que ocupavam essas áreas esperavam, havia oito anos, que a Justiça parasse de ceder às artimanhas jurídicas dos fazendeiros que tentam cancelar as desapropriações”. Ou seja, não se tratava de uma invasão, mas de um ato de protesto pela morosidade de se dar cumprimento a uma desapropriação já decretada pelo órgão administrativo. E a deputada, antes de citar dados impressionantes da Comissão Pastoral da Terra, segundo os quais 1,5 mil trabalhadores rurais foram mortos entre 1985 e 2007, põe o dedo na ferida: “A omissão e a morosidade do Judiciário permitiram que a situação chegasse a um nível de tensionamento, com agressões (...)”.
Repetindo uma tese que o Instituto Brasileiro de Direito Agrário vem propondo desde 1967 – endossada pela Associação Latino-Americana de Direito Agrário no ano seguinte –, está mais do que em tempo de instituir tribunais especializados na área agrária. De que maneira? O primeiro passo será tornar efetivo o artigo que o senador Afonso Arinos de Mello Franco, quando presidiu a Comissão de Sistematização da Constituição, em julho de 1987, propôs com todas as letras: “Artigo 211. A lei disporá sobre a organização, a competência e o processo da Justiça agrária e a atuação do Ministério Público, observados os princípios desta Constituição e os seguintes: I – Compete à Justiça Agrária processar e julgar: a) causas originadas de discriminação e titulação de terras, incluindo as devolutas do município, do estado e da União; b) questões fundiárias decorrentes de desapropriação por interesse social ou para reforma agrária; c) questões relativas às terras indígenas, ficando excluídos os dissídios trabalhistas, salvo quando envolverem questões agrícolas; d) questões relativas ao desapossamento e desapropriação por utilidade e necessidade públicas em zona rural, para imóveis de até três módulos rurais; II – o processo perante a Justiça agrária será gratuito, prevalecendo os princípios de conciliação, localização, economia, simplicidade e rapidez.” Até quando, Catilina, os bravos representantes do povo em Brasília abusarão de nossa paciência?
Fonte: Estado de Minas Virtual, Opinião, 24/03/2009.

Nenhum comentário: